segunda-feira, 7 de junho de 2010

Arte contemporânea e BBB: tudo a ver?


Ex-BBB Fani e fotógrafo J.R.Duran são criticados por ‘censura’ a obra de arte






Um artista, Alexandre Vogler, concebeu a seguinte obra: recolher cartazes da revistaPlayboy da ex-BBB Fani espalhados pelas bancas de jornais da cidade, depois de eles sofrerem diversos tipos de intervenção popular: desenhos, rabiscos, rasgos, mensagens, perfurações etc. Um dos cartazes está reproduzido aqui do lado, para o leitor avaliar. Pois bem, convidado a participar de uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi informado de que os cartazes não poderiam ser expostos, por violar direitos de imagem: o departamento jurídico do museu não obteve autorização nem de Fani nem do fotógrafo J.R.Duran. O artista, indignado, acusou o museu de censura, recebendo o apoio imediato de dezenas de pessoas, numa rede social.
O episódio já chegou as páginas dos jornais. No Segundo Caderno de O Globo de hoje, Vogler declara: “A assessora da Fani disse que o trabalho não agregava coisas boas à imagem dela, como se ela pudesse autorizar ou não a realização de uma obra de arte.”
Compreendo o ponto de vista do artista, que se referencia em exemplos passados de arte participativa, de apropriações e outros procedimentos incorporados à prática artística contemporânea. Mas a declaração de Vogler me pareceu ingênua, reveladora de um certo descompasso com o mundo real. Já classificar esse episódio de censura é um equívoco completo.
Evidentemente, a liberdade artística não se sobrepõe às leis – caso contrário diversos crimes poderiam ser cometidos sob a proteção do “campo artístico”. Para dar um exemplo extremo, uma obra que incentive abertamente a violência, ou a pedofilia, ou a discriminação racial, sexual ou religiosa deve ser exposta num museu ou galeria? Podem até existir pessoas que acham que deve, mas a lei diz que não.
No caso em questão, trata-se da legislação relativa ao direito de imagem. Ora, Fani e J.R.Duran têm todo o direito de não autorizar a apropriãção das fotografias, feitas sob contrato para determinado tipo de uso – exploração comercial pela revista Playboy. Pessoalmente, posso até achar que depois de ela posar nua, depois de participar do BBB etc, essa atitude é criticável, mas é um direito dela e do fotógrafo. Fani e Duran não teriam nenhum controle sobre o resultado da obra artística, e dá para imaginar o que os “populares” escreveram e/ou desenharam nos cartazes…
Criticou-se também o departamento jurídico do MAM, alegando que ele deveria tomar partido da “liberdade artística”. Mais uma leitura equivocada das coisas: na vida real, instituições, públicas e privadas, contratam advogados para que eles defendam seus interesses e evitem litígios; se não fosse assim, o MAM não teria departamento jurídico, ou estaria jogando dinheiro fora. Ora, o departamento fez a consulta, as parte envolvidas disseram não, e a lei as ampara. O que existe de extraordinário nisso? Quem discordar das leis deve lutar para modificá-las, mas gritar “censura!” soa a nostalgia de tempos em que, justamente, as leis eram desrespeitadas a todo momento, atropelando direitos individuais.
Paradoxalmente (e significativamente), o episódio todo está servindo como marketing não somente para a ex-BBB Fani, mas também para o artista plástico autor da obra. Sinal, talvez, de que cada vez mais a arte e os artistas se valem de expedientes outrora restritos à publicidade e à indústria do espetáculo. Arte contemporânea e BBB têm cada vez mais a ver um com o outro.
 Fonte: Luciano Trigo

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