sexta-feira, 25 de junho de 2010

SHAAAROOON!!!

No final de O Homem Que Matou o Facínora [1962], clássico western de John Ford, o personagem de James Stewart pergunta se o jornalista vai usar a história reveladora que ele acaba de narrar. Ao que o homem retruca: “Não, senhor. Isto aqui é o Oeste. Quando a lenda vira fato, publica-se a lenda”.
Se Johnny Depp se inspirou em Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, pra criar seu Jack Sparrow, sob o argumento de que os piratas eram os rock stars daquela época, acho que não é exagero dizer que os astros da música são os caubóis dos nossos tempos. Voltando ao exemplo do filme citado no parágrafo anterior, há os bons moços, como James Stewart; há os que fazem pose de mau, como John Wayne; e há os facínoras, como Lee Marvin.
No rock, há uns poucos facínoras de verdade e uma quantidade enorme de sujeitos que tentam bancar os f*dões — afinal, trata-se de um segmento no qual bandidos e índios são infinitamente mais populares do que xerifes. E tome escândalos com bebidas, drogas e prostitutas, quartos de hotel depredados, declarações polêmicas, agressões a fãs, nudez pública e o que mais se pensar em termos de escrotização.
Por mais que pareça um discurso saudosista/rancoroso, é inegável que a modernidade fez o rock perder algo de seu romantismo. A era pré-digital foi um período repleto de lendas e boatos (e também de ingenuidade adolescente em um mundo no qual a informação não navegava em tempo real) que transformavam artistas em anti-heróis quase sobrenaturais: Elvis estava vivo, Keith Richards teve todo o seu sangue trocado, os membros do Kiss eram satanistas que esmagavam pintinhos no palco.
O maior de todos era ele, o Príncipe das Trevas em pessoa: Ozzy Osbourne.
Deve ter tido mesmo o dedo do capeta nessa história. Do contrário, como explicar que um ex-encanador disléxico de um distrito industrial da Inglaterra tenha sido um dos criadores e principais representantes do heavy metal? Outra maneira de encarar isso tudo é dizer que foi apenas uma questão de reunir as pessoas certas na hora certa.
O timbre característico do vocalista casou perfeitamente com os riffs fodásticos do guitarrista Tony Iommi, as linhas grudentas do baixista Geezer Butler e as marretadas do baterista Bill Ward. E logo o blues/rock padrão do Earth (nome anterior da banda) deu lugar à pauleira soturna do Black Sabbath.
Em meia dúzia de álbuns megaboga (e outros dois bem mais ou menos), o Sabbath ajudou a estabelecer muitos dos parâmetros para o gênero, como a afinação mais grave, o flerte com o blues e o “pogressivo” e, principalmente, a temática sombria que se alternava, com poucas variações, entre morte, loucura, figuras enigmáticas, criaturas assustadoras, funerais, danação.
E vieram clássicos como N.I.B., Paranoid, War Pigs, Iron Man, Sabbath Bloody Sabbath, Children of the Grave e muitos outros.
Abusos com drogas e álcool eram prática comum nos anos 1970 e dentro do Sabbath a coisa não era diferente. Só que nosso amigo Ozzy pesou a mão e acabou sendo chutado da banda, em 1979.
Enquanto Iommi passou os anos seguintes tentando acertar com um novo cantor (Dio, Ian Gillan, Glenn Hughes e até Rob Halford entraram na dança), o Príncipe das Trevas não tardou a encontrar duas figuras que se tornariam decisivas em sua carreira solo: a empresária Sharon Arden e o guitarrista Randy Rhoads.
Arden logo virou Osbourne e Rhoads se tornou o guitar hero da vez — e ambos ajudaram os fãs a enterrar o passado. Mesmo alucinado, imerso nos vícios, Ozzy produziu dois discos sensacionais: Blizzard of Ozz [1980] e Diary of a Madman [1981].
Foi nessa hora que o cramulhão resolveu cobrar a dívida. Como o vocalista estava chapado demais pra responder, quem pagou a conta foi Rhoads, morto em um acidente de avião no meio da turnê.
O restante da década caminhou tão trôpego quanto o próprio Ozzy, mas o raio, quem diria, caiu pela segunda vez no mesmo lugar e um novo prodígio da guitarra cruzou o caminho do vocalista: Zakk Wylde, com quem ele renasceu feito morto-vivo (“hellraise-er!”) e lançou a obra-prima No More Tears [1991].
Álbum f*da, shows no Brasil, reunião do Sabbath, Ozzfest… Parecia a era de ouro pros fãs de Ozzy. Até que veio uma nova década e, com ela, The Osbournes [2002-2005]. O programa pode ter servido pra elevar a popularidade do artista a níveis nunca antes imaginados, mas, ao mesmo tempo, acabou com toda a mística. O Príncipe das Trevas foi reduzido a um velhinho caquético, pau-mandado da mulher e dos filhos.
Ah, a modernidade… As câmeras dos reality shows derrubam imagens construídas o longo de décadas e o fluxo constante de informações impede que os boatos sobrevivam (Marylin Manson é o Paul Pfeiffer, de Anos Incríveis?).
Mas eu não me importo com o que as biografias dizem. Não quero saber se Ozzy cheirou ou não aquela carreira de formigas durante a turnê com o Mötley Crue e nem me interessa o que se passava por sua cabeça quando ele mordeu a cabeça do morcego. Pois isto aqui, meu amigo, é o heavy metal. Os fatos vão, as lendas ficam.








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