segunda-feira, 7 de junho de 2010

Vestido para falar















Ontem me peguei pensando no susto tomado pelo sujeito que primeiro na história viu uma frase estampada no peito de outro. Sim, porque se hoje o hábito de utilizar camisetas como outdoors ambulantes não causa qualquer estranhamento, é de se supor que nossa liberdade de expressão, digamos, “lítero-vestimental” foi assegurada por algum criativo/corajoso do passado, que aceitou pagar esse mico em prol de sua causa.
Tenha sido ele um fervoroso ativista político, um vendedor inescrupuloso ou até um funcionário extremamente dedicado ao negócio do patrão, o fato é que, ao inaugurar o espaço nobre localizado logo abaixo de sua cabeça como vitrine, nosso ilustre e intuitivo desbravador de tendências mal poderia prever os rumos de sua invenção.
Pois, se outrora as frases estampadas se imbuíam de algum propósito – tal como “viva la revolucion”, “diretas já”, “vá ao teatro” ou “doe sangue” – atualmente representam uma retumbante minoria se comparadas a outras que, além de não fazer qualquer sentido, chegam a soar engraçadas.
Pensando bem, talvez a graça nem sempre esteja na mensagem, mas sim em sua relação com o meio; afinal que tipo de reação desperta um senhor de idade avançada, caminhando com a ajuda de sua bengala no calçadão de Ipanema, trajando uma camiseta com o esboço de uma guitarra e a inscrição (traduzida) “essa máquina mata fascistas”? Das duas uma: saldão na loja de departamentos ou presente do neto espirituoso?
A partir daí, passei a reparar nas camisetas alheias e consegui pescar outra pérola, também em inglês, “I love my lifestyle”. Bom, essa aí dá até pra desculpar. Afinal, já amou-se tantas coisas ao longo dos anos que o cara da estamparia deve ter ficado sem repertório. O difícil é entender como alguém resolve levar uma belezura dessas pra casa.
Enveredar-me por esse tema fez lembrar de quando, ao completar 11 anos, ganhei de um amigo do meu pai um moletom com a imagem de uma charrete e a frase “you can make your someday” que, ao pé da letra, seria algo como “você pode fazer o seu algum dia”. Reparem que duas décadas não foram suficientes para atenuar o impacto da expressão. Na ocasião, eu que fazia curso de inglês, cheguei a perguntar a minha professora o que significava aquilo, de tão desconcertado que fiquei.
A filosofia de botequim desse desalmado redator de malharia, possivelmente extraída randomicamente de um disco de rock progressivo ou, quem sabe, fruto de um fluxo de poesia lisérgica, me marcou de maneira tão profunda que se não me tornei um maníaco-obssessivo foi por pura sorte. Mas o que aquela charrete tinha a ver com meu “algum dia”?? Não captei na época, muito menos hoje.
A única explicação que me ocorre para o fenômeno é a de que a banalização, tanto do discurso quanto da moda, transformou as camisetas em telas brancas a serviço da mediocridade. Talvez tenha sido até esse o motivo que inspirou George Michael, em seu megahit Freedom 90, a profetizar “I just hope you understand / sometimes the clothes do not make the man”, frase essa que, é claro,  já foi vista revestindo o dorso de alguém.


Fontes: Globo.com

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